sexta-feira, 10 de setembro de 2010
Energia, a riqueza que emerge do Tapajós
O município de Itaituba, que na segunda metade do século passado ficou conhecido pela produção de ouro, deverá assumir também, dentro dez a quinze anos, a condição de um dos maiores produtores nacionais de energia elétrica. Isso, sem perder as características que foi adquirindo ao longo de décadas – uma cidade de vigoroso crescimento econômico e também demográfico, comércio dinâmico e reconhecida vocação para a atividade mineral, com destaque para a exploração aurífera.
Profissionais da área de geologia que atuam no Pará estimam que, de 1958, quando se iniciou o ciclo garimpeiro na região, até o ano 2000, quando essa atividade chegou ao ponto máximo de declínio, tenham sido produzidos no vale do Tapajós cerca de 650 toneladas de ouro, ainda que, oficialmente, esses números sejam bem mais modestos. Entre as décadas de 1970 e 1980, chegaram a ser registrados, no trecho entre Santarém e Itaituba, mais de dois mil garimpos ativos.
Hoje, embora os garimpos não tenham desaparecido de todo, essa forma rudimentar de exploração do ouro é bem menos expressiva. No lugar dela está chegando à região o que há de mais moderno em matéria de tecnologia, tanto para a pesquisa quanto para a produção. Pelo menos três minas de ouro de classe mundial já foram identificadas na região.
Além de apresentar um extraordinário potencial de geração hídrica e despontar já como importante província polimetálica, o vale do Tapajós é dotado também de vocação natural para o turismo ecológico. A microrregião de Itaituba, por exemplo, já se destaca pela pesca esportiva, modalidade que atrai anualmente grande número de turistas do Brasil e do exterior. A tudo isso se acrescenta, ainda, um rebanho bovino relativamente grande e de alta qualidade. Em conjunto, esses fatores predispõem o município e a região a condições extremamente favoráveis de desenvolvimento econômico.
ATIVIDADES
Todas essas atividades continuam exercendo grande influência sobre a economia de Itaituba, inclusive a produção e o comércio de ouro que, embora em escala muito menor que a de décadas passadas, é talvez ainda a sua principal fonte geradora de receita, contribuindo para o aquecimento do comércio e impulsionando a geração de empregos na área urbana.
Porém, quando está em discussão o futuro do município, as lideranças políticas, os dirigentes empresariais e os principais formadores de opinião de Itaituba têm como preocupação primeira, hoje, o debate sobre o papel que lhe caberá no mapa dos grandes produtores brasileiros de energia. E nem poderia ser diferente. Afinal, quando – e se – o complexo hidrelétrico do Tapajós estiver operando à plena carga, o Pará estará assumindo a liderança nacional do setor.
Os estudos realizados na bacia hidrográfica do Tapajós há mais de dez anos concluíram pela viabilidade da construção de cinco usinas hidrelétricas, sendo duas delas no rio Tapajós e três no rio Jamanxim, seu principal afluente pela margem direita. Os cálculos da Eletrobrás indicam que esses empreendimentos, somados, terão capacidade para gerar 11 mil MW de energia, praticamente a mesma capacidade prevista para o complexo de Belo Monte, no rio Xingu.
Esses números correspondem à melhor formatação a que se chegou até aqui no tocante aos arranjos de engenharia, considerando-se a necessidade de reduzir a níveis mínimos os impactos sociais e ambientais do projeto. Na década de 1990, quando foram realizados os levantamentos preliminares do potencial de geração hídrica do Tapajós, a Eletrobrás chegou a trabalhar com a perspectiva de aproveitamentos hidrelétricos que superariam a casa de 17 mil MW.
USINAS
Nesse formato, as usinas não fugiriam ao modelo tradicional de grandes barragens, o que se prenuncia hoje impraticável diante das severas restrições impostas pela agenda ambiental e pela rigorosa legislação brasileira do setor. A redução das expectativas e a opção por números mais modestos são coisas relativamente recentes. Tanto que um relatório preparado há apenas dois anos pela Eletronorte previa a construção de sete hidrelétricas, e não as cinco que são previstas hoje. A capacidade de geração também seria bem maior – mais de 14 mil MW – contra os pouco mais de 11 mil que agora estão sendo projetados.
A maior das cinco usinas projetadas pela Eletrobrás para construção no rio Tapajós será a de São Luiz, nome de um vilarejo localizado próximo às cachoeiras do mesmo nome, cerca de 50 km acima de Itaituba. Uma falha geológica faz com que as águas do rio Tapajós experimentem naquele ponto um desnível acentuado. Ao longo de 17 km, elas descem furiosamente, espremendo-se em canais estreitos ou chocando-se violentamente contra as formações rochosas.
Pelo plano inicial, essa usina seria construída a montante das cachoeiras, conduzindo a vazão do rio por um canal artificial que seria aberto dentro do Parque Nacional da Amazônia até a casa de força. Com isso, seria possível preservar as cachoeiras, evitando-se que elas fossem inundadas pelo reservatório.
Na construção das cinco hidrelétricas, a Eletrobrás pretende utilizar o conceito de usinas-plataformas. À semelhança das plataformas submarinas de petróleo, elas vão dispensar a logística convencional de apoio, como a formação de grandes canteiros de obras e vilas residenciais. Na fase de construção, em vez de permitir a criação de cidades ao redor das usinas, o projeto da Eletrobrás se dispõe a criar reservas ambientais o que, em princípio, descartaria a possibilidade de ocupação humana.
Em Itaituba, segundo principal polo econômico da região oeste do Estado, as hidrelétricas do rio Tapajós parecem ainda algo distante e sua discussão permanece ausente das preocupações do dia a dia da maior parte da população. Hoje, o assunto que mais desperta interesse é o projeto em tramitação no Congresso Nacional para a criação do Estado do Tapajós.
Itaituba não está na disputa para se transformar em capital, título que a maioria já admite implicitamente caber a Santarém. Mas é inegável que a cidade, mais próxima do centro de poder político, ocuparia no novo Estado uma posição de maior relevância nos aspectos político, social e econômico.
INTERESSE MAIOR É PELA DIVISÃO DO ESTADO
Típico exemplo de desinteresse em relação ao projeto das hidrelétricas é o caso de Jovelina de Jesus Chaves, nascida em Barreiras, um vilarejo rural de Itaituba. Hoje com 97 anos, prestes a completar 98, ela tem três filhos – outros dois já morreram –, cinco netos e seis bisnetos. Sua família sempre viveu da lavoura. Da pesca também, mas só o suficiente para a própria alimentação.
Jovelina diz que nunca gostou de pescar, tarefa que ficava sempre a cargo dos irmãos. Ela só lembra que havia muita fartura, com peixes de várias espécies, alguns deles enormes. Ela confessa já ter ouvido falar de um projeto para construção de usinas no rio Tapajós, mas diz que não acredita e nem se preocupa muito com isso. Seu interesse maior, ela admite, é com a criação do novo Estado, de que tanto ouve falar. “Eu não sei de nada disso, mas aqui em casa a família é toda a favor”, diz ela, manifestando a esperança de que, assim, o governo possa trabalhar mais em benefício da população, que, na sua opinião, “vive completamente abandonada”.
Jovelina cita como exemplo a assistência médico-hospitalar na cidade, que ela diz ser precária. Sorte pessoal dela, e disso se vangloria muito, é que goza de excelente saúde, tanto que, em quase um século de vida, nunca pisou num consultório médico em Itaituba. A primeira e última vez em que precisou de serviço médico foi para fazer uma cirurgia de cataratas, quando tinha 85 anos. Para operar os dois olhos, ela foi a Santarém, mas confessa que valeu a pena. “Hoje eu enxergo melhor que as filhas”
(Diário do Pará)
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